Ao som de canções de Pixinguinha, Cartola, Geraldo Filme e Chico Preto, executadas pelo grupo Sincopado Paulista, foi aberta a Semana da Consciência Negra de Embu das Artes, para comemorar o 20 de novembro – data que marca a morte de Zumbi dos Palmares, líder negro que lutou contra a escravidão no Brasil. Pessoas de todas as cores e idades prestigiaram o evento, dia 18/11, no Centro Cultural Mestre Assis do Embu, que ficou pequeno para tanta gente.
Segundo Marisa Araújo Silva, assessora de Gênero e Raça e coordenadora do Centro de Referência da Mulher, Embu está entre os 100 municípios com mais de 50% da população negra. “O povo foi sequestrado da África para o Brasil e não trazido” – disse. Para Marisa, somente em 2003, quando o presidente Lula assumiu a presidência, a população negra foi reconhecida. Ainda em seu pronunciamento, Marisa citou o Estatuto da Igualdade Racial, aprovado em setembro deste ano, como uma grande vitória da população negra. “Por meio dele, acredito que seremos mais respeitados” – falou.
Representando o prefeito Prefeito, o secretário de Participação Cidadã, Pedro Pontual, disse que “só teremos uma sociedade mais justa e igualitária quando superamos as diferenças étnicas e culturais”. Segundo Pontual, é importante que as pessoas valorizem as políticas públicas implantadas para a o população negra pelo governo municipal, para que não corra o risco de perder seus direitos. Ele também falou sobre a possibilidade da implantação de um fórum municipal de política da igualdade racial.
Para Paulo Oliveira, secretário de Cultura, nós precisamos romper paradigmas. “É muito rica a contribuição do negro para nossa cultura, com as danças, religiões de matriz africanas e as comidas típicas”.
A artista Raquel Trindade, 73, uma das participantes da mesa e da exposição Nossa Arte Negra – Embu 50 anos (inaugurada no mesmo dia), aprova a iniciativa do governo de Embu em transformar o 20 de novembro em feriado. “O negro precisa conhecer sua história para levantar sua auto-estima. Nós não éramos povos primitivos quando fomos escravizados. Está provado cientificamente que o homem nasceu na África”. A artista aproveitou a oportunidade para pedir que a prefeitura mude o nome da rua Domingos Jorge Velho. Segundo ela, trata-se de um bandeirante assassino de negros e índios. Raquel encerrou sua fala com um trecho do poema Canto dos Palmares, de seu pai, Solano Trindade, e foi aplaudida de pé.
Após a cerimônia de abertura, o público conferiu a exposição, que fica em cartaz até 20 de dezembro, das 9 às 18 horas. Veja a programação da Semana da Consciência Negra:
Sensibilização sobre DST/Aids, com destaque étnico-racial e de gênero
Centro Cultural Mestre Assis do Embu, às 14h
Largo 21 de Abril, 29 – Centro
Seminário: Justiça? Segurança Pública: a questão da violência contra a juventude negra
Centro Cultural Mestre Assis do Embu, às 18h30
Largo 21 de Abril, 29 – Centro
Palestrantes:
• Celso Martins Fontana, advogado (USP), administrador (FGV), pós-graduado em Governo e Poder Legislativo (UNESP). Autor do livro "OS NEGROS NA ASSEMBLÉIA DOS BRANCOS", integra a Comissão de Direitos Humanos da OAB/SP e organiza a entidade Barco da Igualdade (Brancos Anti-Racismo pela Construção da Igualdade)
• Jerusa Machado Gomes, graduada em Educação Física, pós-graduada em Nutrição Esportiva, curso de extensão em Lideranças Negras – EDUCAFRO/SP – Educação Social PROJOVEM, Integrante do Fórum Estadual da Juventude Negra.
Seminário – Desigualdade no Brasil: analisando a realidade a partir da inserção de trabalhadores negros e de trabalhadoras mulheres no mundo profissional
Centro Cultural Mestre Assis do Embu, às 18h
Largo 21 de Abril, 29 – Centro
Palestrante:
Thomaz Ferreira Jensen, economista, assessor técnico do DIEESE (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos)
Escola Municipal Reinaldo R. Saldanha da Gama – Feira Cultural Temática
das 8 às 12h e das 13 às 17h
Rua Narumi Nakayama, 100 – Jardim Nossa Senhora de Fátima
2º Etapa da II Conferência Municipal de Promoção da Igualdade Racial – 28 de novembro
Escola Municipal José Arnaldo Mellone, a partir das 13h
Rua Professor Cândido Mota Filho, 150 – Jardim Sílvia
13h – Painel e Discussão dos Eixos Temáticos
• Acesso à Justiça e Segurança Pública
• Terra e Moradia
16h30 – Eleição da Comissão Municipal de Promoção da Igualdade Racial
17h30 – Encerramento
Eu canto aos Palmares
sem inveja de Virgílio, de Homero e de Camões
porque o meu canto é o grito de uma raça
em plena luta pela liberdade!
Há batidos fortes
de bombos e atabaques em pleno sol
Há gemidos nas palmeiras
soprados pelos ventos
Há gritos nas selvas
invadidas pelos fugitivos…
Eu canto aos Palmares
odiando opressores
de todos os povos
de todas as raças
de mão fechada contra todas as tiranias!
Fecham minha boca
mas deixam abertos os meus olhos
Maltratam meu corpo
minha consciência se purifica
Eu fujo das mãos do maldito senhor!
Meu poema libertador
é cantado por todos, até pelo rio.
Meus irmãos que morreram
muitos filhos deixaram
e todos sabem plantar e manejar arcos
Muitas amadas morreram
mas muitas ficaram vivas,
dispostas a amar
seus ventres crescem e nascem novos seres.
O opressor convoca novas forças
vem de novo ao meu acampamento…
Nova luta.
As palmeiras ficam cheias de flechas,
os rios cheios de sangue,
matam meus irmãos, matam minhas amadas,
devastam os meus campos,
roubam as nossas reservas;
tudo isto para salvar a civilização e a fé…
Nosso sono é tranqüilo
mas o opressor não dorme,
seu sadismo se multiplica,
o escravagismo é o seu sonho
os inconscientes entram para seu exército…
Nossas plantações estão floridas,
Nossas crianças brincam à luz da lua,
nossos homens batem tambores,
canções pacíficas,
e as mulheres dançam essa música…
O opressor se dirige aos nossos campos,
seus soldados cantam marchas de sangue.
O opressor prepara outra investida,
confabula com ricos e senhores,
e marcha mais forte,
para o meu acampamento!
Mas eu os faço correr…
Ainda sou poeta
meu poema levanta os meus irmãos.
Minhas amadas se preparam para a luta,
os tambores não são mais pacíficos,
até as palmeiras têm amor à liberdade…
Os civilizados têm armas e dinheiro,
mas eu os faço correr…
Meu poema é para os meus irmãos mortos.
Minhas amadas cantam comigo,
enquanto os homens vigiam a terra.
O tempo passa
sem número e calendário,
o opressor volta com outros inconscientes,
com armas e dinheiro,
mas eu os faço correr…
Meu poema é simples,
como a própria vida.
Nascem flores nas covas de meus mortos
e as mulheres se enfeitam com elas
e fazem perfume com sua essência…
Meus canaviais ficam bonitos,
meus irmãos fazem mel,
minhas amadas fazem doce,
e as crianças lambuzam os seus rostos
e seus vestidos feitos de tecidos de algodão
tirados dos algodoais que nós plantamos.
Não queremos o ouro porque temos a vida!
E o tempo passa, sem número e calendário…
O opressor quer o corpo liberto,
mente ao mundo
e parte para prender-me novamente…
– É preciso salvar a civilização,
Diz o sádico opressor…
Eu ainda sou poeta e canto nas selvas
a grandeza da civilização
a Liberdade!
Minhas amadas cantam comigo,
meus irmãos batem com as mãos,
acompanhando o ritmo da minha voz….
– É preciso salvar a fé,
Diz o tratante opressor…
Eu ainda sou poeta e canto nas matas
a grandeza da fé a Liberdade…
Minhas amadas cantam comigo,
meus irmãos batem com as mãos,
acompanhando o ritmo da minha voz….
Saravá! Saravá!
repete-se o canto do livramento,
já ninguém segura os meus braços…
Agora sou poeta,
meus irmãos vêm comigo,
eu trabalho, eu planto, eu construo
meus irmãos vêm ter comigo…
Minhas amadas me cercam,
sinto o cheiro do seu corpo,
e cantos místicos sublimizam meu espírito!
Minhas amadas dançam,
despertando o desejo em meus irmãos,
somos todos libertos, podemos amar!
Entre as palmeiras nascem
os frutos do amor dos meus irmãos,
nos alimentamos do fruto da terra,
nenhum homem explora outro homem…
E agora ouvimos um grito de guerra,
ao longe divisamos as tochas acesas,
é a civilização sanguinária que se aproxima.
Mas não mataram meu poema.
Mais forte que todas as forças é a Liberdade…
O opressor não pôde fechar minha boca,
nem maltratar meu corpo,
meu poema é cantado através dos séculos,
minha musa esclarece as consciências,
Zumbi foi redimido…
Solano Trindade, CANTARES AO MEU POVO, Editora Brasiliense, 1981.