“O CAPS mudou a vida da minha Cinelândia” – fala orgulhoso Gildásio Alves de Sousa, pai que lutou 23 anos para dar uma vida mais digna a sua filha e encontrou acolhimento no CAPS II de Embu das Artes. “Em seis meses, ela teve sua cidadania resgatada. Eu me chamo de vencedor” – afirma.
Atuar em defesa da vida, do cuidado em liberdade, dando oportunidade para as pessoas ser o que elas são. É assim que a rede de saúde mental de Embu das Artes trabalha para garantir a dignidade das pessoas que sofrem algum tipo transtorno mental. Na terça-feira, 30/5, o Centro Cultural Mestre Assis do Embu foi palco de uma importante celebração.
O evento Tecendo Cuidados em Liberdade favoreceu um rico debate sobre a judicialização da saúde e os processos de internação compulsória, tendo em vista os 30 anos de luta antimanicomial (18 de maio). Marcou também o encerramento das ações que vêm sendo realizadas ao longo do mês nas Redinhas – reunião de profissionais de diversas áreas que compartilham e discutem a problemática social do território e formulam ações que atendam as demandas do bairro.
Profissionais, trabalhadores e usuários da Rede de Atenção Psicossocial (Raps), além de convidados, debateram muito mais que os temas propostos. Discutiram a vida. A liberdade. A sociedade que pretendemos para o nosso próximo que sofre algum tipo de transtorno mental e para nós. Na ocasião, foi lançada a cartilha Tecendo o cuidado: a experiência de Embu das Artes na atenção psicossocial, que você pode conferir aqui.
“Não se produz saúde mental no isolamento” – enfatizou Fernanda Zanetti Cinalli Giovanetti, coordenadora da Saúde Mental de Embu das Artes. Ela também citou o livro Holocausto Brasileiro, no qual Daniela Arbex retrata o genocídio de mais de 60 mil pessoas que ocorreu no Hospital Colônia, em Barbacena, Minas Gerais. “70% das pessoas não tinham diagnóstico nenhum. Qualquer um que causava algum incômodo era colocado lá” – disse Fernanda.
Segundo Antoniella Vieira, gestora do CAPS- AD, há 30 anos busca-se romper as paredes dos manicômios para se ter dignidade, cidadania e voz. Para Giovani Rente Paulino, psicólogo do CAPS II e um dos articuladores da Oficina de Criatividade e Expressão do CAPS II e Centro de Convivência Conviver, que se apresentou no evento, tratar a loucura, é tratar a diversidade. “É ser criativo” – define.
João Rezende, advogado e cientista social, trabalha com direitos humanos e como pesquisador na Comissão da Verdade da USP, vê o Estado como um garantidor dos direitos das pessoas. “Ele deve garantir que a dignidade de todo indivíduo seja respeitada. Por isso, os direitos humanos devem estar presente o tempo todo. Não existe cidadão de segunda classe” – afirma.
Atuando no campo judiciário há 10 anos, a mestre em Serviço Social, Débora Nunes Oliveira, enxerga a instituição ainda muito conservadora. Para ela, não somos iguais. A questão da classe social faz muita diferença. Isso justifica o tipo de tratamento que é dado a pessoas que precisam de um pouco mais de atenção.
Para Cláudia Braga, terapeuta ocupacional, psicanalista e mestre em Saúde Coletiva, é a classe dominante que constrói as normas da sociedade e aponta o que é certo e o que é errado. “Quem não está dentro dessas normas, apresenta um desvio social, daí a segregação” – conta. Segundo ela, em 1998, o Brasil tinha 148 CAPSs, hoje são 2.209. Esses números demonstram a importância dos movimentos que lutam pelo cuidado em liberdade e dizem não à internação.
Com dificuldade de lidar com a perda, Juvelina Macedo fazia acompanhamento no Hospital das Clínicas. Chegou a tomar remédios, mas foi no Conviver que encontrou “acolhimento, aconchego e abraço”, como ela mesmo define.
Tatiane Nascimento, carinhosamente chamada de Tati pelos colegas, é outra guerreira. Fez diversas intervenções ao longo do evento, sempre com falas pertinentes à nossa realidade. Tati não precisa de internação. Ela precisa ser ouvida: “Se você é cidadão e trabalha, ótimo para você. Eu sou especial. Minha mãe não acredita, mas eu sou. De tanta coisa horrível que você vê, você vai perdendo a sensibilidade, vai ficando seco” – relata.
A rede de saúde mental de Embu das Artes está de portas abertas para acolher pessoas que passam por algum tipo de transtorno mental e oferecer, como no monólogo apresentado pelo usuário William de Faria, Amor, respeito e dignidade.