Como vem sendo feito desde 1954, a programação teve início com a procissão do grupo de rezadeiras, atualmente coordenado por Cidinha Carpi, com participação das comunidades católicas das paróquias Santa Inês e Cristo Ressuscitado. O grupo de adoradores saiu do Largo dos Jesuítas e seguiu com ladainhas e cânticos à Santa Cruz, tendo à frente o carro de boi vindo de Embu-Guaçu com o andor levando a imagem da Santa até a capela de Nossa Senhora do Rosário, sob a benção do padre Sebastião Gomes Neto, pároco de Embu.
A reza do terço encerra a parte litúrgica e o levantamento do mastro marca o início da festa popular. Na noite da sexta-feira o destaque foi Lino de França com a sanfona e o ritmo nordestino, interpretando sucessos de Luiz Gonzaga e Dominguinhos, entre outros. Mesmo debaixo de chuva, as pessoas continuavam animadas e entraram na roda com o Samba de Bumbo do grupo Mulungu e a cantoria do Mestre Caçapava.
No sábado, aconteceram mais demonstrações da cultura caipira. Pratos típicos da culinária do interior paulista foram oferecidos aos grupos visitantes, com a preparação de Toninho Macedo, diretor da ABAÇAI Cultura e Arte, entidade de apoio às questões tradicionalistas de São Paulo e ligada aos programas “Revelando São Paulo” e “Mapa Cultural Paulista”. Como representante da Secretaria Estadual, ele falou da importância de unir esforços para manter vivas as expressões culturais no circuito de cidades históricas.
Centenas de pessoas assistiram à apresentação do artista Renato Teixeira. Acompanhado por sua banda, ele interpretou músicas conhecidas do público como “Chalana”, “Amanheceu, peguei a viola”, “Um violeiro toca”, e encerrou acompanhado de um coro do público para “Romaria”, “Cuitelinho” e “Felicidade foi-se embora”. Nos intervalos entre as músicas, o músico comentava as parcerias em composições com grandes nomes da MPB, em especial com Almir Sater.
A pequena Yasmin de Araújo Lopes, 9 anos, estudante do 4º ano da Escola Municipal Marajoara era toda alegria, dançando com um suingue especial ao som da Folia de Reis do Marajoara / Santa Clara, que abriu a última noite da Festa de Adoração à Santa Cruz. Portadora de síndrome de Down, Yasmin é uma das 20 pessoas, entre cantores, dançarinos e dançarinas, do tradicional grupo fundado há 60 anos. "A dança para ela é uma festa", comenta a mãe, Dejanira Teresa de Araújo Lopes.
Observando a dança, o canto e a religiosidade dos festeiros, o público entrou no clima. Abriu uma roda para dar espaço ao grupo de adoradoras e adoradores e às dez meninas da folia de reis que homenagearam a Santa Cruz. A roda se abriu ainda mais quando artistas e público se misturaram para cantar e dançar com o Teatro Popular Solano Trindade (TPST). Raquel Trindade – artista plástica, coreógrafa e folclorista – dita o ritmo, conduz o grupo criado para continuar a obra do pai, Solano, canta e dança com a energia de uma jovem, aos 72 anos.
O frio no alto do pátio do Memorial Sakai desapareceu com o ritmo envolvente do samba-lenço rural paulista. Segundo Raquel, a dança tradicional trazida pelos negros Bantus para o interior do estado é o verdadeiro samba de São Paulo. O TPST trouxe ainda o samba de bumbo, a ciranda e a dança do cafezal paulista. "Vamos colher o ouro do nosso rincão", cantou, colhendo alegria no suor da festa. Encerrando os shows, a Orquestra de Violeiros de Taboão da Serra encantou o público com o ritmo caipira.
O resgate das tradições folclóricas de Embu das Artes a partir de 2001 fez reviver a Festa de Santa Cruz. Nilton da Silva Henrique, 25 anos, morador do Jardim Santa Tereza, onde nasceu, acompanha a festa há bastante tempo. "Gosto de prestigiar a festa no centro de Embu. Vi o Almir Sater, As Galvão, a dança da catira, dança de fita. Embu já é tradição por si só pela arte, pela feira e pela cultura", resume. Seu irmão, José Carlos da Silva, 32 anos, morador do Jardim Vazame, ressalta que "é muito importante resgatar as tradições de Embu, sempre reforçando para São Paulo e para o Brasil que Embu não é só a feira".
Tônia do Embu, artista e uma das principais incentivadoras da festa, lembrou as origens da manifestação folclórico-religiosa e o primeiro aniversário da Capela de Adoração à Santa Cruz, completado no sábado, 16/5. "Mesmo com a expulsão dos jesuítas, o povo daqui sempre cultuou a Santa Cruz. Só conseguimos construir a capela ano passado graças ao governo do prefeito Prefeito. Foi sempre uma luta muito grande para que esse sonho não morresse", afirmou.
O secretário de Cultura Paulo Oliveira agradeceu ao público presente e às cidades do Cinturão Jesuítico que participaram de mais uma edição da festa: Itapecerica da Serra, Embu-Guaçu, Taboão da Serra, São Lourenço da Serra, Osasco, Itapevi, Cotia e Vargem Grande Paulista; e, ainda, aos representantes do bairro paulistano de Parelheiros e da Abaçai, empresa coordenadora de eventos da Secretaria Estadual de Cultura.
A programação da festa teve todo o empenho da secretaria de Cultura de Embu das Artes, dedicada a valorizar as origens e a atrair os interessados por valores culturais, conquistando as novas gerações nessa tradição paulistana. O casal Elizabeth e Cezare Malaspina veio do Morumbi para assistir ao show de Renato Teixeira e se surpreendeu com as outras atrações da festa. “É comum ver grandes divulgações de Rodeios e Festas de Peão, porém, infelizmente, não há tanta projeção para as festas folclóricas como essa”, afirmou Cezare.
Felipe Albuquerque, estudante da Universidade de São Paulo (USP), esteve na festa com um grupo de amigos. Viu a divulgação pela internet e veio atraído pela programação: “Gostamos muito de Embu e viemos a fim de unir o útil ao agradável, com o show e um lugar legal para visitar”. De Santo Amaro, Eduardo Guerra e Ana Lúcia foram convidados por uma moradora de Embu e compareceram para conferir os shows, mas revelaram que não sabiam que havia uma festa tão tradicional acontecendo tão perto da capital. Morador de Itapecerica da Serra, Richard Bremecker também gostou do que viu. Descendente de alemães, ele lembrou a participação de sua “oma” (avó) no movimento ecológico de Embu e da infância vivida na chácara do bairro da Ressaca. “A Festa de Santa Cruz provocou recordações daqueles momentos, com a boa música, a programação folclórica e as comidas típicas”, disse.
Cristiane Del Gaudio, Nadir Prado e Maria Regina Teixeira.