Um panorama sobre o trabalho infantil e a exploração sexual de crianças e adolescentes no Brasil foi apresentado durante o “IV Seminário Municipal de Combate ao Trabalho Infantil”, realizado em Embu das Artes no dia 7/7, no Centro Cultural Mestre Assis. Nele, foram expostos resultados de pesquisas, dados, informações e os impactos negativos que atingem milhares de jovens brasileiros, a partir das palestras de três especialistas do tema: Alice Lima (Prefeitura de Embu das Artes), Alex Pessoa (UFSCar) e João Pedro Sholl Cintra (Fundação ABRINQ). O evento foi realizado pela Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social.
Na mesa diretora de abertura, Samuel Brasil, secretário municipal de Desenvolvimento Social de Embu das Artes, exaltou as atividades dos servidores da sua pasta que atuam com conhecimento e sensibilidade. “Aqui temos gente de peso trabalhando muito para gerar esclarecimento e reflexão à população no intuito de reduzirmos o trabalho infantil na nossa cidade”, ressaltou ele.
“O tema invisível aos olhos da sociedade e cheio de mitos exige a realização constante de campanhas, seminários e panfletagem”, acredita a presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente – CMDCA, Anelita Assis. “É uma semente que devemos plantar cada vez mais para despertar a consciência das pessoas à questão do trabalho infantil”, completou ela.
A mesa diretora teve também a presença de Everson Santos (secretário municipal adjunto de Governo), Thaís Prado (conselheira tutelar do CT2), Tia Regina (conselheira tutelar do CT1) e Ana Paula Romeu (diretora da Diretoria Regional de Assistência e Desenvolvimento Social – DRADS – Osasco). O encontro contou ainda com a intervenção artística da educadora Lídia Balsi e o boneco Nino.
Contexto e impactos negativos do trabalho infantil
A diretora de articulação de rede da Secretaria de Desenvolvimento da Prefeitura de Embu das Artes, Alice Lima, iniciou o ciclo de palestras, apresentando o contexto do trabalho infantil no Brasil. Ela destacou o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), criado em 1990 posteriormente à Constituição de 1988, como um marco histórico que inseriu a sociedade e o Estado como responsáveis pelo cuidado à criança e ao adolescente, reconhecendo-os como detentores de direitos e pessoas em situação peculiar de desenvolvimento, distanciando-se do conceito que os igualava ao cidadão comum na cadeia de trabalho.
Em seguida, a diretora exibiu pequisa que mostra 1,8 milhão de crianças e adolescentes, com idade de 5 a 17 anos, em situação de trabalho infantil, o que representa cerca de 4,6% do público nessa faixa etária (38,3 milhões). A maioria dos trabalhadores infantis eram meninos negros (66,4%) – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNADC) de 2019. Os dados confirmaram as características do trabalho infantil, apontadas em pesquisas anteriores.
Ainda nessa apuração, foi mostrado que, do total, 21,3% se encontravam na faixa etária de 5 a 13 anos, 25% (de 14 e 15 anos) e 53,7% (de 16 e 17 anos). A mesma pesquisa ainda indicou que 45,8% da totalidade estavam em ocupações classificadas como “as piores formas de trabalho infantil”, sendo que, desses, o maior percentual (65,1%) registrou-se na faixa de 5 a 13 anos.
Segundo Alice, as atividades do trabalho infantil causam impactos negativos na formação pessoal e profissional de crianças e adolescentes. No âmbito da saúde, por exemplo, há a atividades laborais braçais que podem ocasionar deformações musculares e ósseas, artrose, lesões e danos à coluna espinhal etc. A exposição crônica a ambientes insalubres e ruidosos abalam o sistema nervoso, provocando tontura, cefaléia, dificuldade de concentração, hipertensão, taquicardia e perda auditiva. A pele mais sensível nessa fase da vida absorve mais facilmente resíduos químicos, que geram doenças dermatológicas. Há ainda o risco de ocorrer doenças pulmonares pela absorção de substâncias tóxicas. Também acarreta em problemas psíquicos como baixa autoestima, depressão, fobia social etc. A visão periférica de crianças é menor que a de um adulto, o que aumenta o risco de acidentes de trabalho.
Na sequência, a diretora apontou as áreas onde mais se encontra o trabalho infantil. São elas: agricultura, trabalho doméstico, produção e tráfico de drogas, informal urbano, lixões, exploração sexual, ambientes virtuais, artísticos e desportivos.
“O trabalho é de responsabilidade da família”, alertou Alice, ao afirmar a necessidade de derrubarmos mitos como os de que o “trabalho é positivo ao crescimento pessoal da criança pobre”, “estimula o desenvolvimento cognitivo”, “ajuda a evoluir melhor profissionalmente, tornando-se mais proativo na idade adulta”, e “que evita a inserção a práticas de criminalidade”. Outra crença equivocada apontada por Alice é a dos pais se ausentarem e deixarem seus filhos mais novos ficarem inteiramente sob os cuidados do irmão ou irmã mais velhos. “Isso não é certo e não pode ser confundido com aquelas pequenas tarefas domésticas que os jovens podem realizar a título de contribuição, que não se caracterizam como trabalho infantil”, esclareceu.
Na continuidade da exposição, Alice reafirmou que o trabalho infantil reproduz o ciclo da pobreza, expõe a riscos, prejudica o desenvolvimento biopsicossocial, limita a convivência familiar e comunitária, compromete a socialização e afeta a trajetória escolar. Sendo assim, os desafios da sociedade para combatê-lo são tirar o tema da invisibilidade, derrubar mitos, aplicar cursos profissionalizantes, promover a inclusão em programas de geração de renda, fiscalizar o cumprimento das cotas do Jovem Aprendiz, estimular a frequência escolar e ministrar atividades de contraturno escolar.
Nessa direção, a especialista deu como referência as “Ações Estratégicas do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (AEPETI)”, do Governo Federal, desenvolvidas pela rede socioassistencial do Sistema Único de Assistência Social (Suas), articulada às demais políticas públicas, em caráter intersetorial, que é estruturada em 5 eixos: informação e mobilização, identificação, proteção, defesa e responsabilidade e monitoramento.
Por fim, Alice reforçou a necessidade de cada cidadão fazer sua parte, denunciando situações que se averiguarem haver a exploração do trabalho infantil. E para essa finalidade, indicou os vários canais de denúncia, como o Disque 100, Serviço de Abordagem Social, Conselhos Tutelares, Superintendência do Trabalho, Ministério Público do Trabalho, Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas) e Centro de Referência de Assistência Social (Cras).
UFSCar: causas e efeitos do tráfico e da exploração sexual
Na segunda palestra do dia, o psicólogo Alex Pessoa, que é professor doutor da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), do Laboratório de Análise e Prevenção da Violência (LAPREV), apresentou ao público os resultado de dois estudos, executados a partir de uma série de entrevistas realizadas com adolescentes com histórico em duas vivências: o “tráfico de drogas” e a “exploração sexual”.
Inicialmente, Alex apontou o avanço na fiscalização da exploração infantil, mas revelou que alguns municípios negam sua existência em suas regiões. “É vexatório os índices de violência e violações na realidade brasileira, que mostram que a exploração tem cor, território e histórico e há uma aceitação social de que certos grupos passem por essa experiência”, afirmou ele.
O professor acredita no fortalecimento das famílias para dimensionar os jovens sobre as inadequações do trabalho da adolescência, porém alertou que é preciso avaliar a melhor forma de realizar essa conscientização para conseguir a adesão desse público. “Quanto mais precoce a pessoa se inicia no trabalho infantil, menor será a renda dela na vida adulta em decorrência da falta de qualificação profissional”.
No estudo 1, verificou-se que, além do poder e da capacidade de consumo que se conquista a partir dos ganhos com o tráfico, os jovens passam a auxiliar financeiramente suas mães, tirando-as da pobreza, deixam de ser invisíveis para a sociedade, sentem-se pertencidos e passam a frequentar festas de jovens e universitários. “Ações protetivas do Estado não conseguem acolhê-los dessa vulnerabilidade, e, os contextos que considero adequados, como escola, família e entidades, também não estão alcançando êxito com eles, pois o tráfico ocupou o espaço que deveria ser assumido pela sociedade”, declarou Alex.
Já no estudo 2, sobre exploração sexual, as entrevistas se deram com meninas adolescentes. Nessa realidade, registrou-se as seguintes rotinas vivenciadas por elas: ausência de resiliência, mau relacionamento com as mães, vítima de negligência em cuidados básicos (como alimentação), experiência traumática por ver irmãos serem entregues à prostituição ou vendidos a estranhos e abuso sexual sofrido pelo namorado da mãe. Outro agravante constatado é que a exploração migrou das ruas para os meios digitais, como redes sociais e aplicativos, o que torna essa condição menos visível. “Diferentemente dos meninos do tráfico, as meninas que sofreram violência sexual têm relação de conflito e não colaboram financeiramente com as mães. É um grupo mais vulnerável, se entrega mais facilmente ao vício em drogas para fugir da dura realidade ou se prostituem para consegui-las”, explicou o professor.
No âmbito da saúde mental, enquanto meninos apresentam melhores indicativos, alimentandos pelo ego, prestígio, dinheiro e relacionamentos amorosos que experimentam, as meninas sofrem distúrbios mentais, depressão, autolesão, suicídio, internação por vício em drogas e deturpação e repulsa pelo corpo, por consequência da degradação que padecem.
Concluindo, Alex falou que o trabalho infantil e o abuso sexual, especialmente em suas piores formas, ocorrem por questões de desigualdade social e problemas estruturais e, portanto, é imprescindível compreender as dimensões subjetivas do trabalhos infantil, reconhecer as transformações do mundo do trabalho e perceber como isso afetou a inserção de crianças e adolescentes em atividades exploratórias.
ABRINQ – a informação contra o trabalho infantil
João Pedro Sholl Cintra, que é técnico de inteligência de dados e indicadores sociais da Fundação ABRINQ – Associação Brasileira dos Fabricantes de Brinquedos, foi o terceiro palestrante a contribuir com o Seminário, expondo uma compilação de dados e informações estatísticas públicas, baseados em temas variados da infância e da adolescência (saúde, educação, violência, condições de vida e rendimentos, entre outros).
A ABRINQ atua há mais de 30 anos com programas e projeto que visam combater situações, como o trabalho infantil, e João Pedro faz parte de um dos eixos de atuação da instituição, que é o de divulgação de informações. “Trabalhamos no sentido de informar e construir conhecimento a respeito da realidade brasileira, para que se possa reconhecer em que pontos o País precisa de atenção, ou em que regiões determinadas questões merecem um olhar, ou em que aspectos certa política pública merece ser criada, avaliada ou monitorada”, disse ele.
João Pedro afirmou que precisamos ser realistas e reconhecer que o trabalho infantil faz parte da estrutura do mercado e serve de ponto de entrada para o trabalho formal. “Por isso, temos que nos preocupar com as desigualdades e reduzi-las, pois o Brasil é um país muito desigual e com elevados índices de pobreza que necessitam de encaminhamentos”, finalizou.
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