A capacitação do Projeto “Mãos EmPENHAdas” ocorreu na Câmara de Embu das Artes na segunda-feira (16/9) para profissionais de salões de beleza do município, no intuito de torná-los agentes multiplicadores de informações para o combate à violência contra a mulher, auxiliando clientes, que possam estar sofrendo esse drama, por meio do aconselhamento e do direcionamento delas à rede de serviços públicos especializados que possam protegê-las.
A formação foi promovida em uma parceria entre a Secretaria Municipal da Mulher e a promotora de Justiça Gabriela Manssur. Essa iniciativa é relevante porque muitas mulheres criam vínculos de amizade e confiança com seus cabeleireiros ou manicures, por exemplo, e pode funcionar como um instrumento de empoderamento e fortalecimento pessoal para que elas quebrem um ciclo de violência penoso, difícil e aparentemente sem solução. O objetivo é que as denúncias de violência cheguem ao Judiciário para que as instituições possam protegê-las por meio de processo jurídico contra o agressor, estabelecer Medidas Protetivas e encaminhá-las para os serviços da rede pública.
“Precisamos alcançar as mulheres da cidade por meio dos comerciantes, por isso pretendemos capacitá-los para chegarmos até elas. É hoje foi só o início, um lançamento. A ideia agora é percorrermos outros bairros para levar esse conhecimento à comunidade, seja através de igrejas, terreiros, sociedades amigos de bairro, entidades etc.”, declarou a secretária da Mulher, Fernanda Rosário. “Meu sonho é que Embu das Artes seja forte no combate da violência contra a mulher e, unindo os três poderes e a sociedade civil, estaremos no caminho certo”, concluiu.
O momento também serviu para divulgar o Projeto de Lei 41/2019, de autoria do vereador Gerson Olegário, que autoriza o Poder Executivo realizar parcerias com todos os espaços de beleza da de Embu das Artes para a capacitação dos profissionais desse ramo no que diz respeito à abordagem e divulgação da Secretaria da Mulher e das legislações voltadas para os direitos da mulher.
A palestra foi ministrada pela promotora de Justiça, Gabriela Manssur, que, junto com o juiz Mario Rubens Assumpção Filho, trouxe ao estado de São Paulo (tendo passado por 20 cidades) esse projeto que foi desenvolvido pelo Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJ-MS), por meio da juíza Jaqueline Machado.
No início de sua exposição, Manssur lembrou da impunidade existente sobre os delitos, predominantemente, antes da criação Lei Maria da Penha. “Antigamente, o homem agressor não recebia uma punição condizente com a gravidade do crime, que se restringia à prestação de serviços comunitários ou entrega de cestas básicas a pessoas carentes, além de o processo ser encerrado. E a mulher mão era ouvida nesse contexto”, afirmou.
Em sua carreira, Manssur declarou que sempre atuou para se estabelecer medidas efetivas pelo poder público para defender a mulher, se articulando junto a delegacias, prefeituras e outros órgãos para alcançar o melhor atendimento possível desses casos. “Eu não subestimo nenhuma denúncia que chega em minhas mãos e dou atenção a todos os tipos de violência verificados, desde as mais leves até as mais graves, porque não se trata de um crime comum, aleatório, pois geralmente o agressor possui vínculo afetivo com a vítima e tudo pode acontecer”.
Para se ter ideia da complexidade dessa realidade, a promotora relatou para a plateia um caso para o qual trabalhou uma vez. Uma senhora que sofria violência de um filho, depois de um tempo, passou a receber Medida Protetiva que determinava ao agressor manter-se distante dela. Após um período de paz e tranquilidade, infelizmente, a mãe fora assassinada pelo mesmo filho com 20 facadas, depois que ela permitiu o ingresso dele em sua residência. “Em algum momento houve uma falha do sistema. Essa mulher ficou muito melhor e com a autoestima elevada após receber a Medida Protetiva, mas mesmo assim, isso não foi capaz de evitar a tragédia. Por isso, é fundamental o empenho de todos nessa cruzada contra a violência”, ponderou.
Mas a promotora destacou que há também histórias com desencadeamentos diferentes e de mulheres originárias de classes sociais mais favorecidas. É o caso de Jéssica, modelo e atriz, que era vítima de violência e conseguiu ajuda por intermédio de profissionais de um salão de beleza que ela frequentava. “Hoje em dia, ela está feliz e com alto astral”, contou Manssur.
Sinais do silêncio
Gabriela Manssur alertou que a violência contra a mulher é silenciosa, e como quase sempre elas temem denunciar o crime, é preciso ficar de olho nos sinais, como as mudanças drásticas no visual, no corte de cabelo, na cor do esmalte das unhas, além dos aspectos físicos, como marcas no corpo, perda ou ganho excessivo de peso, estresse e queda de cabelo. A reincidência da violência é outro fator inibidor para elas. Depois de concederem uma chance ao companheiro ou parente e sofrerem novas agressões, acabam se desencorajando a pedir ajuda novamente, por vergonha ou receio de serem julgadas pelas pessoas.
“Como o agressor pode ser um pai, marido ou filho, não devemos julgar, pois é muito difícil uma mulher sair de um relacionamento com uma pessoa do seu sangue ou quem escolheu para ser o príncipe encantado”, explicou Manssur. “O medo, a humilhação e a baixa autoestima dificulta muito que elas peçam ajuda. Então vamos escutá-las constantemente e com muita atenção, sem preconceito e de coração aberto”, invocou ela.
Mas a promotora reiterou que a atitude de querer auxiliar as suas clientes não compromete judicialmente ou pessoalmente os profissionais de salão de beleza, pois além da discrição, irão apenas apontar um caminho para elas seguirem junto aos agentes do serviço público. “Delegacia, Justiça, assistência social e psicológica, enfim, o acesso à rede é o caminho do sucesso, mas o princípio de tudo é que as mulheres se sintam fortes. E é aí que vocês entram para incentivá-las”, expressou Manssur.
Para finalizar, a jurista exibiu um vídeo que apresentava vários áudios reais de vítimas telefonando para a Polícia no momento em que estavam sendo agredidas, sensibilizando o público ao mostrar claramente o grau de desespero dessas mulheres.
Empenhadas já!
Simone Garcia, dona de salão e professora de cabeleireira do Fundo Social de Solidariedade, revelou que foi vítima de violência e sabe como isso faz a mulher se sentir culpada. “Fui coagida e me reprimi, mas hoje sou livre e feminista”, disse ela. Segundo Simone, o precário nível emocional delas é outro fator que causa bloqueio para a tomada de decisões. “Para dar um exemplo, muitas não sabem nem que cor de esmalte escolher, não têm opinião própria, mas acabamos dando um apoio moral que as fazem ficarem mais alegres”, completou.
Já o cabeleireiro Ge, proprietário do Studio Ge Cabeleireiro há 27 anos, que fica no Parque Luiza, contou que a palestra complementou a sua vivência profissional. “Foi um conhecimento a mais no meu ofício porque agora tenho uma base para agregar na profissão e começar a agir com um olhar diferenciado e maduro. Saio hoje aqui com uma referência”, relatou.
Ge descreveu que, para expor um problema, a mulher precisa se sentir segura e a proximidade do profissional com a cliente acaba criando uma intimidade. “Cuidamos do seu cabelo, de partes do corpo e sentimos quando a cliente não está bem. E nesse universo feminino, apesar de sermos profissionais de beleza, sem querer, acabamos agindo como conselheiros”.
Ao final, os participantes receberam um certificado e o evento foi condecorado com o selo do Projeto Mãos EmPENHAdas pela promotora Gabriela Manssur, que ganhou um quadro de presente do vereador Hugo Prado.
Autoridades presentes à mesa: vereadores Hugo Prado, Luis do Depósito, Gerson Olegário e Bobilel Castilho. Prestigiaram o encontro os secretários municipais Rosana Almeida (Turismo) e Marcelo Pessoa (adjunto de Gestão de Pessoas).