Mostrar que as experiências de vida são essenciais para a educação dos indivíduos e que a transformação dos sonhos em realidade é possível, a partir de ações concretas. Estas são algumas das lições da companhia teatral Arte Tangível no espetáculo Sobre Sonhos e Esperança. A montagem inspirada na obra do mestre Paulo Freire (1921-1997), um dos mais respeitados educadores do século 20, reuniu um público de cerca de 150 pessoas na noite de quarta-feira, 10/6, na Escola Municipal Professor Paulo Freire. Encerrando a temporada, Embu das Artes foi a décima quinta cidade selecionada para receber o espetáculo inserido no Programa de Ação Cultural (Proac) da Secretaria Estadual de Cultura. E pela primeira vez o grupo encenou a peça num espaço que leva o nome de quem a inspirou.
O cenário de uma simples sala de aula com sete cadeiras, uma mesa de professor e uma pequena lousa se transforma na casa de um estudante ou do menino Paulo na Recife dos anos 1920, ou ainda no seu quintal repleto de árvores frutíferas. Foi nesse ambiente que Paulo Freire aprendeu suas primeiras palavras escritas com gravetos por sua mãe.
O publico se sensibilizou com a professora e seus desencantos (Luciana Saul), o estudante que inicialmente só entendia a “geografia da fome” (Thomas Holesgrove), a estudante limitada a aprender a memorizar (Fernanda Quatorze Voltas), e com Paulo Freire (Alexandre Saul), que ilumina os caminhos e ensina a todos a alcançar a educação plena. Além de um pai e uma mãe levados a compreender e participar da educação dos filhos, Holesgrove e Fernanda incorporam em figuras mascaradas os medos que permeiam sonhos e esperanças dos personagens. Juntos, os quatro atores formam a Arte Tangível, companhia criada em 2002.
Frases que exprimem o pensamento freiriano pontuam todo o espetáculo. O mestre nos ensina que “É preciso educar nossos medos para que eles não nos paralisem”, que “Mudança não acontece por acaso ou destino. Nós devemos lutar pelas mudanças”, e ainda que “Cidadania pressupõe diálogo, direito de voz”.
O texto de Sobre Sonhos e Esperança é assinado pelos atores Luciana Saul e Thomaz Holesgrove. A brasileira e o australiano se conheceram durante um período de estudos na Itália. De lá vieram com a ideia de trabalhar com o Teatro Antropológico (baseado nos estudos de teatrólogos como Eugene Barba e Jerzy Grotowski sobre a expressividade de atores e bailarinos no contexto cultural de suas representações), e com influências da cultura afrobrasileira do candomblé e seus Orixás. O resultado é uma performance artística envolvente que alia de forma singular a linguagem oral à corporal. Luciana explica que esta concepção do teatro busca “desenvolver os princípios do candomblé com o espaço criativo do ator”.
O espetáculo encenado desde 2006 já atraiu 4 mil espectadores. Segundo Luciana, Sobre Sonhos e Esperança tem o objetivo de aliar os sonhos dos excluídos à educação freiriana. Durante o debate que sempre acontece após o encerramento da apresentação, uma estudante da Educação de Jovens e Adultos (EJA) expressou um de seus sonhos: “Eu sonho em terminar meu estudo. Primeiro quero agradecer a Deus a oportunidade que não tive antes. Quero continuar a estudar para saber escrever bem desenvolvida, sem embaraço”.
A companhia criada em 2002 mostra os resultados das pesquisas que desenvolvem em espetáculos levados para o público excluído do teatro nos grandes centros. Além da obra inspirada em Paulo Freire, peças como Nasus e Flora, A Menina das Névoas e O Menino de Pipoca foram encenadas em favelas, Centros de Educação Unificada (CEUs) e asilos nas periferias das cidades.
Foi a segunda vez que o espetáculo veio a Embu das Artes. Ano passado, professores da Rede Municipal de Ensino tiveram a oportunidade de assistir a peça. A recente encenação foi acompanhada pela secretária Rosimary Mendes de Matos (Educação) e pelos secretários Pedro Pontual (Participação Cidadã) e Paulo Oliveira (Cultura).